Quando era criança, eu detestava quando meus pais dormiam a
tarde inteira de sábado ou domingo. Pra quê dormir tanto assim? pensava. Por
que não ir passear, fazer alguma coisa interessante? Hoje eu faço exatamente a mesma
coisa.
Eu achava que minha mãe ficava muito estressada quando
iríamos receber visita de parentes em casa. Ela não parava de arrumar a casa e
cada coisa que bagunçávamos era motivo pra bronca. A casa tinha que ficar nos
trinques e o cardápio das refeições tinha que ser maravilhoso.
Hoje eu faço exatamente igual. E quase morro pra deixar o
lavabo arrumado, cheiroso e habitável, com toalha bonitinha pras visitas. E
olha que é uma tarefa bem difícil quando você tem três homens em casa que ainda
mijam pra fora e o filho mais novo ainda não aprendeu a dar descarga.
Desinfetante de meia em meia hora é a solução.
Outra coisa que eu ficava P da vida: Como eles podiam errar
meu nome? Viviam confundindo meu nome com os meus irmãos. Hoje eu confundo o
nome dos meus filhos até com o nome do meu cachorro.
Quando minha mãe encontrava algum conhecido na rua eu me
cansava de esperar e não entendia pra quê tanta conversa e bate papo. “E sua
mãe, fulana? Melhorou?” e aí a conversa não acabava mais. E eu em pé lá,
esperando e pedindo: “Mãe, chega, vamos embora?”. E hoje? Tudo igualzinho... eu
paro pra conversar e meus filhos também reclamam.
Também não entendia por que meus pais não tinham respostas
pra todas as minhas perguntas. Se me ensinaram que eu não podia mentir, por que
deveria abrir um presente de aniversário decepcionante e dizer, sorrindo, que
eu amei aquilo?
Por que eles trabalhavam tanto e por que tinha que tomar
banho todo santo dia? Nem suei hoje, eu pensava. E por que precisava comer
salada, se nem gostava tanto assim?
Pra quê passar batom, mãe? Só vamos ali na padaria. E hoje
não saio de casa sem batom, protetor, corretivo, base e blush.
Não entendia por que tinha que ouvir a viagem inteira as
músicas que meu pai queria e hoje falo pros meus meninos: O carro é meu e ouço
o que eu quiser. Quando vocês tiverem seu carro, vocês podem escolher a música
que for.
Achava o cúmulo ter que me levantar da mesa do almoço umas
10 vezes pra pegar as coisas que meu pai queria e não estavam na mesa. Primeiro
era o guardanapo, depois era o limão, depois era a pimenta. Depois ele via que
o suco estava sem gelo e pedia umas pedrinhas pra mim. Aí ele via que o suco estava
sem açúcar, e lá vai eu. Essa faca não está cortando filha, pega outra pra mim?
Ih...tá faltando o queijo ralado. Pega aí filha, você está mais perto da
geladeira. ( Pai,nem tente se defender pois eu tenho testemunhas) Hoje? Tento maneirar, pois sei como era duro, mas sobrevivi e sei
que meus filhos também vão.
Minha mãe ficava horas tirando cutícula na cama. Achava um
exagero aquilo. Que tanto ela tirava naqueles dedos, meu Deus? Hoje descobri
que isso é uma delícia. Nem vejo o tempo passar.
E foi então que percebi que a Elis Regina tem razão. Se você
tem mais de 30 anos talvez conheça aquela música: “Como nossos pais”. Se tem
menos de trinta, procura aí no Google. Digite as palavras “letra música Elis
Regina como nossos pais” e você vai ver que um trecho da música é assim:
“ ...mas nós somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. O
compositor da música foi o Belchior, aquele que endoidou uns tempos atrás. Mas
a música bombou e viralizou nas redes sociais da época na potente voz de Elis
Regina mesmo. O contexto da letra da música era totalmente diferente do meu
texto aqui, mas roubei. Dá licença, tá?
Agora vejamos, se teu pai foi um alcoólatra e te espancava todo dia,
não seja como ele. Mas você aprendeu o que NÃO se deve fazer. Então pegue o que
foi bom e tente jogar fora as coisas ruins. Ele te ajudava a fazer a tarefa,
era educado e cumprimentava todas as pessoas? Aí! Pegue isso como exemplo pra
você. Dá um Ctrl C e Ctrl V no que foi legal e um Delete no que foi desastroso.
As estatísticas dizem que se seu pai foi alcoólatra você tem chance de ser
também. Mas Deus é muito maior que as estatísticas, convenhamos. Mande a
estatística pra aquele lugar. Você pode lapidar esse DNA que recebeu e passar
um bem melhor pros seus filhos. Minha funcionária aqui de casa, por exemplo,
teve os pais alcoólatras. Ela não suporta cheiro de bebida. Nem passa perto.
Quando eu faço risoto ela se nega a comer, pois diz que sente o gosto do
vinho. Sagu com vinho também nem
experimenta. Eu entendo. Melhor assim.
Escolha o exemplo que você quer seguir, pegue o que seus pais te
ensinaram de bom e jogue fora o que foi ruim. Não esqueça que eles não eram
perfeitos e que você também não é.
Agradeço a Deus a educação que meus pais me deram. E se eu
conseguir ser um pouco que eles foram pra mim e meus irmãos eu já fico feliz. E
isso você percebe bem melhor quando tem os seus filhos. Aí você dá muito mais
valor. Hoje meus filhos reclamam muito de mim. Sei que demora pra eles
perceberem que é pro bem deles que falamos tantas vezes a palavra “não”. Mas
vai chegar o dia que eles vão perceber.
Só sei de uma coisa, quando tiver seus filhos você mesmo irá
levar um susto quando ouvir as palavras saindo da sua boca:
“ Filho, vai sair? Leve um casaco, vai esfriar.”
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