Pavio curto
Já assistiram aquele filme argentino, Relatos Selvagens? Concorreu ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro. Achei muito bom, brilhante. Trata-se de seis episódios tragicômicos com um tema em comum: quando alguém, aparentemente normal, como eu e você, perde a boa, explode, chuta o pau da barraca, dá bafão, estressa, se desequilibra, perde o controle.
Já assistiram aquele filme argentino, Relatos Selvagens? Concorreu ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro. Achei muito bom, brilhante. Trata-se de seis episódios tragicômicos com um tema em comum: quando alguém, aparentemente normal, como eu e você, perde a boa, explode, chuta o pau da barraca, dá bafão, estressa, se desequilibra, perde o controle.
E você acaba se identificando e para pra refletir o que
teria feito, em cada episódio. Até que ponto temos domínio próprio? Até onde
conseguimos atuar e sermos educados e comportados em nossa convivência social,
antes de explodir?
Afinal, hoje o mundo nos entope de motivos pra perder o
controle, concorda? Nos relacionamentos familiares, na escola, faculdade, no
trânsito, no caixa do supermercado ou no banco.
Você não leva desaforo pra casa? Ou consegue manter-se firme, respirar fundo, contar até dez? Felizes
são aqueles centrados, sensatos, que sabem refletir sobre tudo, não se abalam
com as barbaridades desse mundo. Estes não precisam de calmantes. Conseguem
engolir sapo, digerir e eliminar no final do dia. Simples como dar descarga.
Conseguem reprimir aquele lado selvagem e animal que tá lá dentro, insistindo
em sair.
Eu, por exemplo, odiava assistir a jornais na televisão.
Logo de manhã, eu comendo um pãozinho com manteiga, toda feliz e o jornalista
informando sobre o desvio de verba pública que estava destinada a melhorias no
tratamento de pessoas com câncer. Depois, que fulano, com apenas doze anos de
idade, foi morto voltando da escola, por uma bala perdida. Depois, quantos
refugiados já morreram por naufrágio. E assim, eu mal conseguia engolir meu pão
e ter apetite. Ficava pensando naquelas notícias o dia inteiro e isso roubava
minha alegria. Ou você coloca uma armadura de insensibilidade, digna daquelas
pessoas que trabalham dia e noite numa UTI e finge que não viu aquilo ou você
fica triste o dia todo. Foi então que tomei essa decisão: parei de assistir
todos os jornais e minha vida ficou bem melhor e mais leve. A mídia dá muita
ênfase às tragédias e notícias ruins e a gente esquece que tem o poder de
desligar a TV.
Não estou dizendo que você deva fazer isso ou não, mas
comigo deu certo e passei a viver melhor. Continuo com outros meios de
informação como revistas, internet etc. Os grupos de whats app das mães da
escola dos meus filhos também me deixavam louca. Saí e pronto.
Hoje, quando estava no supermercado voltei a lembrar do
filme, quando, em meio a vários caixas com fila encontrei um que tinha somente
uma senhorinha passando sua compra. Ufa! Tive sorte, pensei.
Quando a funcionária do caixa estava registrando o último item,
a senhora me disse: “Puxa, esqueci de pegar uma coisa fundamental. Vou
rapidinho lá, tá bom?”. Minhas compras já estavam na esteira. Vi que não dava
pra eu trocar de caixa. Paciência, tinha que esperar. Uns minutos depois e ela
volta com quatro abacatinhos (avocado) na mão. Então ela resolve questionar a
caixa sobre a política de bônus de quem é Cliente Mais. A moça respondeu
pacientemente. Depois ela lembrou que queria um pacote de cigarros e a caixa
teve que sair, destrancar o armário e pegar o que ela queria. Deus me perdoe,
mas nessa hora, eu já imaginava pegando aqueles abacatinhos e espremendo na
cara da respeitável senhora. Sairia um belo guacamole. Aí ela resolveu fazer
uma recarga no celular. Depois, quando foi pagar, deu problema no cartão. Não
passava. Não sei se ela esqueceu a senha. E eu tentava procurar a minha
paciência, que havia fugido nesse momento. Contei até cem e não até dez. Agora,
como eu reagiria a essa situação se tivesse acabado de sair de um
congestionamento de duas horas, com pressa, dor de barriga, sem dinheiro pra
pagar minha compra e com um filho no hospital? Realmente não sei.
E depois de trinta minutos que eu estava esperando ali, a
senhora olha pra mim, com as sacolinhas na mão e diz: “Tchau bem, desculpa aí
viu?”. E eu com um sorrisinho no rosto respondo com educação: “ Imagina.”. É
uma escolha que temos que fazer: ser racional ou impulsivo?
Pensei, seriamente, em deixar umas cartelas de Rivotril
sublingual na bolsa, pra emergências como essa. Mas poderia ser pior: eu
poderia ser a atendente de caixa preferencial, tendo que enfrentar várias
senhorinhas dessas por dia.
E aí você vê que não dá pra ser muito normal o tempo todo.
Quem consegue, levanta a mão! A pessoa tem que extravasar de algum jeito. Por
isso tem tanta gente fazendo artes maciais. Do contrário, todo dia teríamos um barraco pra colocarmos no nosso currículo pessoal.
Assistindo a um vídeo no Youtube,
do brilhante professor e historiador Leandro Karnal, ouvi a seguinte frase sensacional: “Ser
louco é a única possibilidade de ser sadio nesse mundo doente.”
E percebi que a profissão do meu pai e do meu sogro, a
psiquiatria, é realmente a mais promissora e necessária para esse mundo tão
doidão. Vamos pra terapia pessoal, ou, qualquer dia desses, vamos sair
quebrando tudo. E alguns dirão: “ Nossa, mas ele(a) era tão normal!”