terça-feira, 15 de março de 2016

Pavio curto




Pavio curto

Já assistiram aquele filme argentino, Relatos Selvagens? Concorreu ao Oscar 2015 de melhor filme estrangeiro. Achei muito bom, brilhante. Trata-se de seis episódios tragicômicos com um tema em comum: quando alguém, aparentemente normal, como eu e você, perde a boa, explode, chuta o pau da barraca, dá bafão, estressa, se desequilibra, perde o controle.


E você acaba se identificando e para pra refletir o que teria feito, em cada episódio. Até que ponto temos domínio próprio? Até onde conseguimos atuar e sermos educados e comportados em nossa convivência social, antes de explodir? 


Afinal, hoje o mundo nos entope de motivos pra perder o controle, concorda? Nos relacionamentos familiares, na escola, faculdade, no trânsito, no caixa do supermercado ou no banco. 


Você não leva desaforo pra casa? Ou consegue manter-se  firme, respirar fundo, contar até dez? Felizes são aqueles centrados, sensatos, que sabem refletir sobre tudo, não se abalam com as barbaridades desse mundo. Estes não precisam de calmantes. Conseguem engolir sapo, digerir e eliminar no final do dia. Simples como dar descarga. Conseguem reprimir aquele lado selvagem e animal que tá lá dentro, insistindo em sair.


Eu, por exemplo, odiava assistir a jornais na televisão. Logo de manhã, eu comendo um pãozinho com manteiga, toda feliz e o jornalista informando sobre o desvio de verba pública que estava destinada a melhorias no tratamento de pessoas com câncer. Depois, que fulano, com apenas doze anos de idade, foi morto voltando da escola, por uma bala perdida. Depois, quantos refugiados já morreram por naufrágio. E assim, eu mal conseguia engolir meu pão e ter apetite. Ficava pensando naquelas notícias o dia inteiro e isso roubava minha alegria. Ou você coloca uma armadura de insensibilidade, digna daquelas pessoas que trabalham dia e noite numa UTI e finge que não viu aquilo ou você fica triste o dia todo. Foi então que tomei essa decisão: parei de assistir todos os jornais e minha vida ficou bem melhor e mais leve. A mídia dá muita ênfase às tragédias e notícias ruins e a gente esquece que tem o poder de desligar a TV. 


Não estou dizendo que você deva fazer isso ou não, mas comigo deu certo e passei a viver melhor. Continuo com outros meios de informação como revistas, internet etc. Os grupos de whats app das mães da escola dos meus filhos também me deixavam louca. Saí e pronto.


Hoje, quando estava no supermercado voltei a lembrar do filme, quando, em meio a vários caixas com fila encontrei um que tinha somente uma senhorinha passando sua compra. Ufa! Tive sorte, pensei.


Quando a funcionária do caixa estava registrando o último item, a senhora me disse: “Puxa, esqueci de pegar uma coisa fundamental. Vou rapidinho lá, tá bom?”. Minhas compras já estavam na esteira. Vi que não dava pra eu trocar de caixa. Paciência, tinha que esperar. Uns minutos depois e ela volta com quatro abacatinhos (avocado) na mão. Então ela resolve questionar a caixa sobre a política de bônus de quem é Cliente Mais. A moça respondeu pacientemente. Depois ela lembrou que queria um pacote de cigarros e a caixa teve que sair, destrancar o armário e pegar o que ela queria. Deus me perdoe, mas nessa hora, eu já imaginava pegando aqueles abacatinhos e espremendo na cara da respeitável senhora. Sairia um belo guacamole. Aí ela resolveu fazer uma recarga no celular. Depois, quando foi pagar, deu problema no cartão. Não passava. Não sei se ela esqueceu a senha. E eu tentava procurar a minha paciência, que havia fugido nesse momento. Contei até cem e não até dez. Agora, como eu reagiria a essa situação se tivesse acabado de sair de um congestionamento de duas horas, com pressa, dor de barriga, sem dinheiro pra pagar minha compra e com um filho no hospital? Realmente não sei. 

E depois de trinta minutos que eu estava esperando ali, a senhora olha pra mim, com as sacolinhas na mão e diz: “Tchau bem, desculpa aí viu?”. E eu com um sorrisinho no rosto respondo com educação: “ Imagina.”. É uma escolha que temos que fazer: ser racional ou impulsivo?


Pensei, seriamente, em deixar umas cartelas de Rivotril sublingual na bolsa, pra emergências como essa. Mas poderia ser pior: eu poderia ser a atendente de caixa preferencial, tendo que enfrentar várias senhorinhas dessas por dia.


E aí você vê que não dá pra ser muito normal o tempo todo. Quem consegue, levanta a mão! A pessoa tem que extravasar de algum jeito. Por isso tem tanta gente fazendo artes maciais. Do contrário, todo dia teríamos um barraco pra colocarmos no nosso currículo pessoal.

 Assistindo a um vídeo no Youtube, do brilhante professor e historiador Leandro Karnal, ouvi a seguinte frase sensacional: “Ser louco é a única possibilidade de ser sadio nesse mundo doente.”


E percebi que a profissão do meu pai e do meu sogro, a psiquiatria, é realmente a mais promissora e necessária para esse mundo tão doidão. Vamos pra terapia pessoal, ou, qualquer dia desses, vamos sair quebrando tudo. E alguns dirão: “ Nossa, mas ele(a) era tão normal!”