sábado, 21 de março de 2020

Diário de uma enclausurada. Capítulo 2


Primeiramente gostaria de mandar um recado pra minha funcionária, se ela estiver lendo isso. Angela, te amamos! Estamos sentindo MUITO a sua falta! Esperamos vê-la em breve, muito breve mesmo.

Hoje suei em bicas limpando a casa. E lembrei daquela frase dita por alguma mãe-filósofa:  limpar a casa com os filhos dentro é o mesmo que tentar escovar os dentes comendo bolacha recheada. É isso. Acho que meus filhos vão se matar antes de esse período acabar. Hoje eles começaram a fazer guerra com partes do meu sofá e eu descobri um ótimo jeito de fazê-los parar. Vou passar essa dica preciosa pras mães aí. Você já gritou, implorou e eles não param? Pegue o celular, comece a filmar e diga que vai postar nas redes sociais. Aqui super funcionou. Um deles é adolescente e morre de medo de pagar mico. (ele sabe a mãe que tem).


Meu marido se trancafiou por várias horas no mini escritório aqui de casa pra trabalhar e eu tive que conter os gritos dos meus filhos pra não atrapalhar ele. Num momento de bondade, entrei pra deixar um copo d’água pro meu cônjuge e dei de cara com vários rostinhos na tela do celular dele, que estava participando de uma reunião virtual. Ops! Tive sorte de não ter entrado com trajes impróprios. Entrei com roupa de mendiga somente, mas poderia ter sido pior, muito pior.

Tô pensando em começar a fazer umas provas que nem o BBB sabe? Pra ver se começa a ficar mais interessante esse negócio de confinamento. Mas aqui se chamaria PPP: Presos Pela Pandemia.  Prova do anjo, prova do líder...de resistência não porque já estamos vivendo, convenhamos. Mijou pra fora da privada? Sujou a mesa e não limpou? Vai pro paredão. Até a cachorra vai entrar nessa.

Ontem assistimos, pela primeira vez, um culto da minha igreja pelo celular. Fiquei tão feliz de poder contar com esse recurso e do corona não ser transmitido pelas redes sociais. Obrigada Senhor!

Depois brinquei com meu marido de super trunfo Países. Ganhei dele pela segunda vez. A próxima vou deixa-lo ganhar, coitado. Não pude deixar de reparar num dos itens da carta da Itália e da China: expectativa de vida. Será que a Grow vai ter que rever esses valores e atualizar o jogo? Que triste!

Tem gente vendendo o rim no mercado negro pra comprar álcool gel. Você quer esbanjar e mostrar pra todo mundo que tá podendo? Não precisa postar foto nas ilhas gregas, nem foto com o seu Camaro amarelo. É só postar uma abraçando um grande pote de álcool gel. Sucesso garantido. Torcendo pra tudo isso acabar logo.
Cotovelo pra vocês. Com álcool gel.

Diário de uma enclausurada. Capítulo 1


Segundo dia que fico em casa e já começo a ficar meio desanimada. Odeio ficar em casa o dia inteiro. Ontem saí a pé com meu filho pra comprar banana num mercadinho que fica perto de casa. Passamos em frente a uma Crossfit e assustei quando vi que estava lotada. Tinha umas quinze pessoas fazendo exercícios, bem próximas umas das outras. Encontrei uma amiga no meio do caminho, nos cumprimentamos com um beijinho e nos demos conta do que tínhamos feito meio milésimo de segundo depois. Foi no automático.

A escola começou a mandar tarefas pra fazer em casa com meus filhotes. Acharam que não ia ter nada, coitadinhos. A igreja propôs gravarmos aulas e compartilharmos pelo whats. Meu marido pediu pra ir busca-lo no trabalho e fiquei feliz que eu iria sair de casa um pouco. Parei pra abastecer o carro e escolhi encher o tanque com álcool pois assim já desinfeto ele também. Se pudesse, completaria com álcool gel, mas tá em falta no mercado.


Fico imaginando quanta coisa vai mudar, quantos compromissos cancelados. Imaginei os casamentos que estavam agendados pra esse mês, em velórios, etc. Agora a pessoa morre e nem velório pode ter. Risco de contaminação. Fico imaginando o BBB e aquele povo enclausurado lá. Baita povo sortudo. Ganharam na loteria. Agora tem um bando de enclausurados assistindo essas pessoas, também enclausuradas. Interessante, não? Álcool gel agora virou ostentação. Quem tem um monte fica se achando. Beijos pra vocês e até a próxima. Beijos não, desculpe. Cotovelo.  

domingo, 8 de março de 2020

Conceição


Ela morava numa fazenda, em Marília, com mais nove irmãos. Seu pai, o caseiro da fazenda, era muito rígido e batia constantemente nos filhos e na esposa.
Ela lembra que sua mãe ganhava nenê embaixo do pé de café e, no dia seguinte, estava trabalhando, com o recém nascido dentro de uma cesta. Com cinco anos, ela já trabalhava com seus irmãos na roça, limpando os troncos dos pés de café.

Com sete anos, sua família veio morar numa casa de barro em Bauru. Um dia, uma senhora passou na rua da casa dela, recrutando meninas pra morar e trabalhar em sua casa, em troca de comida. Lá foi ela, onde aprendeu, junto com outras meninas, diversas tarefas domésticas. Ela lembra que colocavam um banquinho pra ela alcançar a pia e conseguir lavar louça, com oito anos. Com catorze anos, já havia voltado pra casa dos pais, começou a namorar e levou uma surra do pai. Nesse mesmo ano casou-se, numa tentativa de não apanhar mais do pai. Com dezesseis, teve seu primeiro filho. Tinha muitos problemas com anticoncepcionais, passava muito mal. Assim, acabou tendo doze filhos, mas seis morreram. Batalhou muito pra sustentar os filhos, trabalhando como empregada doméstica. 

Um dos filhos foi preso, usuário de droga, levou seis tiros e ficou paraplégico. A caçula conseguiu fazer faculdade de direito, um orgulho pra toda família. Durante toda a vida conjugal teve vários problemas com o marido, que a traiu várias vezes, inclusive com a melhor amiga dela, na noite de véspera de natal, enquanto ela trabalhava. Aos 35 ela se converteu ao evangelho de Jesus. Trabalhou muitos anos na casa de uma mesma família, que gostava muito dela.

Hoje, ela tem 69 anos, muitos netos e bisnetos. Mora numa casa própria, com a filha e dois netos. Não para nunca. Está sempre bem disposta, animada, fazendo algum curso: panificação, cabeleireiro, artesanato, costura... Faz Pilates, estuda e, às vezes, dá aula de culinária pra moças da favela. Todos os anos ela recruta uma equipe pra organizar uma festa pra mais ou menos 500 crianças de bairros carentes de Bauru. Providencia transporte, alimentação, fazem brincadeiras, pintam os rostinhos das crianças. Tudo isso com o dinheiro que ela pede pras pessoas com quem convive.

Aos sábados ela cuida de dois meninos e passa roupa. Os meninos amam quando ela chega, sempre animada, com um sorrisão no rosto. Ela ouve com atenção o que eles dizem e vibra com suas conquistas. Se sobrar um tempinho, senta junto com eles no sofá e joga vídeo game.

Esses meninos que ela cuida são meus filhos, que hoje não dão mais trabalho. Já cresceram. Ela os viu nascerem e sempre esteve ao meu lado me ajudando. Com a casa e os meninos. Trabalha conosco há 26 anos e tenho o privilégio de conviver com uma guerreira dessa. Ela é um exemplo de amor, de superação, de força, de quem sempre serviu os outros com alegria. Uma mulher que, apesar de tanto problema e sofrimento, não se tornou uma pessoa triste e amarga. Pelo contrário! Por isso estou aqui, nesse dia das mulheres, fazendo essa homenagem. São palavras regadas com muitas lembranças, carinho e gratidão. Têm muitas histórias aí, mas ficaria enorme esse texto.

 Obrigada por tudo Conceição, te amamos! Feliz dia das mulheres! Que Deus abençoe e fortaleça tantas “Conceições” que existem por aí.

quarta-feira, 4 de março de 2020

Culinária complicada




Gosto de comprar livros de receitas. De vez em quando, me dá a louca e resolvo fazer alguma. Alguns acompanharam aqui, ou no Facebook, minha saga pra encontrar fava de baunilha, da minha luta pra abrir um cupuaçu ou minha tentativa de fazer creme Brulee. Mas, com os anos, me tornei preguiçosa, confesso, de me aventurar a fazer aquelas receitas trabalhosas que sujam a cozinha inteira, que demora uma tarde toda e usa batedeira, liquidificador e mais meia dúzia de parafernálias. Se tiver que usar a batedeira, penso 10 vezes se compensa. Ou aquela receita que leva 12 ovos. Precisa de tudo isso mesmo? Coitada das galinhas gente! Também me irrito com aqueles livros que usam só ingredientes difíceis de serem encontrados aqui, ou muito caros. Você acaba não fazendo receita nenhuma. Tá, mas por que estou falando tudo isso? Porque ontem estava nas lojas Americanas e meus olhinhos brilharam ao ver um livro de receitas bonito, de capa dura, custando apenas 27,99. Era de uma chefe inglesa chamada Sophie Michell.  Tinha visto uns livros de receita tempos atrás que custavam os olhos da cara, então achei que esse preço estava maravilhoso. Cheguei em casa toda animada pra abrir o livro. Aí me deparei com essas receitas aqui ó: 
-Gravlax de salmão
-Refogado de carne e bockchoy
-Rendang de carne com sambal de abacaxi
-Contrafilé grelhado com echalota
-Peito de frango assado com tupinambo
-Pakoras de couve-flor
-Salada de haloumi
-Risoto de espelta
-Torta de creme de cássia
-Pavê de Pimm’s
-Gelatina de Ginger Ale
Oi? Vocês já ouviram falar nessas coisas aí? É de comer mesmo?
Sem falar em outros pratos como bife de veado, salada de pato, sanduíche de lagosta e panqueca de caranguejo. Coisas nada fáceis de achar no mercadinho do Seu Joaquim. E, caso tenha a sorte de encontrar, tem que vender o seu rim pra pagar
Não entendeu o que é echalota, espelta, gravlax ou haloumi? Eu muito menos! Socorro, o que é isso? Que língua estamos falando aqui? Sei nem pronunciar essas palavras! Sem contar uns queijos usados nas receitas que nunca vi na minha vida aqui no Brasil. Ex.:queijo manchego e queijo mizithra. Prazer!

Ou seja, perdi R$ 27,99 mesmo. Aquela famosa frase que você já deve ter ouvido: o barato sai caro. Decepção total. É, meus queridos, voltemos, na humildade, pra nossa amiga simpática Rita Lobo. Toda chicosa, bonitona e magrinha. O livro é caro, mas pelo menos você entende as palavras e consegue achar os ingredientes. Preguiça de traduzir essas palavras doidas aí. Talvez os chefs profissas conheçam, mas uma reles mortal como eu, cozinheira preguiçosa que só quer receitinhas fáceis, não dá não. Tô fora!